Lúpus Eritematoso Discóide

Lúpus Eritematoso Discóide

Publicado em 11 de maio de 2015

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Dermatose de evolução crônica, relativamente benigna, caracterizada por lesões cutâneas eritêmato-escamo-atróficas típicas, freqüentemente localizadas na face. Alterações hematológicas e sorológicas podem estar presentes em até 50% dos doentes, sugerindo etiologia auto-imune.

Epidemiologia: É a variante mais comum do lúpus eritematoso. Tem distribuição mundial e acomete todas as raças, sendo mais freqüente no sexo feminino (2:1) a partir da 4ª década e raro em crianças (3%). Ocorrência familiar, apesar de rara (4%), sugere envolvimento de fatores genéticos. Sua incidência é de 5 por 1000.

Etiopatogenia: Acredita-se que fatores genéticos e mutações somáticas estejam envolvidos na patogênese dessa doença. Existem três genótipos relacionados com a idade de início. Diferenças na incidência dos antígenos de histocompatibilidade dão suporte ao conceito de genótipos múltiplos. São descritas associações com HLA-B7, -B8, -Cw7, -DR2, -DR3 e -DQw1. O HLA-B7 predomina em pacientes de ambos os sexos, que iniciam a doença entre 15 e 39 anos. Mulheres com início da doença após os 40 anos têm incidência aumentada de HLA-B8, comparadas aos controles. As lesões cutâneas são desencadeadas por estresse (12%), trauma (11%), exposição à radiação ultravioleta (RUV) (5%), infecção (3%), frio (2%), gravidez (1%) ou drogas (isoniazida, penicilamina, dapsona e griseofulvina). Aproximadamente 2/3 das lesões surgem espontaneamente. Uma vez estabelecidas as lesões, exacerbações ocorrem, particularmente, após exposição solar (68%). Algumas pacientes referem piora no período pré-menstrual (13%). Tensão emocional é fator agravante em 16% dos casos.

Manifestações clínicas: Apresenta-se como placas eritêmato-escamosas que evoluem com atrofia central. As escamas são aderentes e exibem, na sua porção inferior, espículas córneas que preenchem os óstios foliculares e sudoríparos dilatados. Quando removidas, mostram rolhões córneos característicos. A face é o local mais comumente afetado, especialmente, regiões malares e dorso do nariz. As lesões podem ser uni ou bilaterais, não necessariamente, simétricas. Acomete também pálpebras, pavilhões auriculares e couro cabeludo, onde provoca áreas de alopecia cicatricial. Envolvimento das mucosas é visto em 24% dos casos. Com menor freqüência, as lesões atingem áreas mais extensas, comprometendo colo, braços, dorso das mãos, palmas e plantas.

Nas formas localizadas, as lesões ocorrem acima do pescoço, regridem espontaneamente em 25 a 40% dos casos, mas em 1-5% evoluem para formas sistêmicas. Em geral, as formas localizadas não se acompanham de sintomas sistêmicos. Nas formas disseminadas ou generalizadas, as lesões surgem acima e abaixo do pescoço e em cerca de 22% os pacientes desenvolvem LES. Fenômeno de Raynaud (14%), artralgias (25%) e perda de peso (12%) podem surgir, principalmente, nas formas disseminadas. Em etapas tardias, podem surgir cicatrizes, distúrbios da pigmentação com hipopigmentação na parte central e hiperpigmentação na periferia das lesões, além de telangiectasias. Modificações específicas do aspecto das lesões dão origem a formas particulares: predomínio da ceratose (lúpus verrucoso ou hipertrófico); predomínio de telangiectasias (lúpus telangiectásico); formação de bolhas geralmente após exposição ao sol (lúpus bolhoso) ou infiltração dérmica com pouco comprometimento de anexos (lupus tumidus). Morfologicamente, as lesões do lupus tumidus são similares às da infiltração linfocítica de Jessner, acreditando-se tratar da mesma entidade. Em 7,5% dos pacientes pode ser visto um padrão rosaceiforme, onde as pústulas geralmente estão ausentes.

Diagnóstico: O diagnóstico é confirmado pela histopatologia e pela imunofluorescência direta da lesão. A histologia revela hiperceratose folicular, atrofia da epiderme, coliquação da basal, incontinência pigmentar, hialinização do colágeno e infiltrado inflamatório linfocitário focal, perianexial e perivascular. Coloração especial (PAS) evidencia espessamento da membrana basal e da parede folicular. Depósito de mucina, focal ou difuso, pode ocasionalmente ser visto. A imunofluorescência direta revela depósitos de IgG, IgA, IgM e C3 na junção dermo-epidérmica da pele lesionada em 80% dos pacientes. Depósito de C1q é encontrado em 29% dos pacientes com imunofluorescência positiva. Sua presença indica maior risco de doença sistêmica.

Os exames de laboratório no LECD são habitualmente negativos. As formas disseminadas podem apresentar: anemia, leucopenia, trombocitopenia e VSH elevado (20%), hipergamaglobulinemia (29%), Coombs positivo, falsa reação sorológica para sífilis (26%), Ac antinucleares em títulos baixos (35%), Ac anti-RNA (42%) e Ac anti-Ro (10%).
O diagnóstico diferencial deve ser feito com o LES, infiltração linfocítica de Jessner, erupção polimorfa à luz, rosácea, psoríase, dermatite seborréica, líquen plano, sarcoidose, granuloma eosinofílico e o pseudolinfoma de Spiegler-Fendt. As lesões de couro cabeludo devem ser diferenciadas da pseudopelada, da tinea favosa, do líquen plano pilar e da alopecia da esclerodermia.

Tratamento: É indispensável o uso de protetores solares, uma vez que a radiação UV é tanto fator agravante como desencadeante. Nos casos com poucas lesões o uso de corticóide tópico, oclusivo ou intra-lesional (0,05 a 0,3ml de triancinolona, por lesão, na concentração de 2,5 a 5mg/ml), freqüentemente, controla a doença. Interferon (INF-a) intralesional e laser de CO2 têm sido usados com sucesso em lesões localizadas. Lesões verrucosas podem ser tratadas com nitrogênio líquido. O LE telangiectásico responde ao flashlamp-pumped pulsed dye laser ou à luz pulsada. Nos casos com múltiplas lesões, deve ser iniciada a terapia sistêmica. Os antimaláricos estão indicados em todas as formas de lúpus. Utiliza-se, geralmente, o sulfato de hidroxicloroquina (400 mg/dia) ou o difosfato de cloroquina (250 mg/dia), por um período máximo de 3 a 6 meses, reduzindo-se a dose tão logo as lesões regridam. A maioria dos pacientes apresentam clareamento das lesões em 6 semanas. Em pacientes fumantes o clareamento ocorre após 8 semanas, já que o fumo dificulta a absorção da droga. Se após 6 a 8 semanas do tratamento com hidroxicloroquina não houver resposta satisfatória, adiciona-se quinacrina (100mg/dia).

Se os resultados persistirem insatisfatórios, sugere-se a troca da hidroxicloroquina pela cloroquina. Os níveis plasmáticos dos antimaláricos são cumulativos e progressivos, tendendo a acumular-se onde há melanina, podendo assim, impregnar a retina. Dado ao risco de lesão ocular (retinopatia e depósito da droga na córnea), os pacientes devem ser seguidos com exames oftalmológicos a cada quatro (hidroxicloroquina) ou seis meses (cloroquina). Se a dose for mantida abaixo de 6,5 mg/kg/dia (hidroxicloroquina) e de 3,5 mg/kg/dia (cloroquina), o risco de lesão ocular é menor. Dose total acima de 300g favorece o aparecimento de lesão ocular irreversível (maculopatia). Outros efeitos colaterais dos antimaláricos são: escotomas, cegueira noturna, náusea, pigmentação das mucosas e unhas, branqueamento dos cabelos, erupção liquenóide, eritrodermia esfoliativa, psicose, miastenia, miopatia, leucopenia e trombocitopenia. São contra-indicados nas hepatopatias, deficiência de G6PD, retinopatia prévia, menores de sete anos, maiores de 60 anos e portadores de psoríase. A hidroxicloroquina parece ser segura na gestação. Recidivas ocorrem em 50% dos casos após sua interrupção. Corticóide sistêmico deve ser limitado aos casos onde há intolerância ou falta de resposta aos antimaláricos e nos casos de LECD disseminado, associado aos antimaláricos, em doses antiinflamatórias e mantidos até a 4a ou 5a semana, quando os antimaláricos começam a atuar, ou até a melhora clínica.

Outros medicamentos úteis são:

Talidomida (100-400mg/dia) – contra-indicada em mulheres em idade gestacional pelo risco de teratogenicidade. Outros efeitos colaterais da talidomida são: sonolência, neuropatia periférica (dose dependente), constipação, neutropenia e reações de hipersensibilidade. Acredita-se que apresente propriedade antiinflamatória, imunomoduladora e antiangiogênica, sendo de grande valor nas formas hipertróficas do lúpus. A doença tende a recidivar quando da remoção da droga, sugerindo-se sua manutenção, em baixa dose, por longo tempo.

Clofazimina (100mg/dia) atua como droga fotoprotetora e antiinflamatória.

Dapsona (100mg/dia) é a droga de escolha na forma bolhosa e uma boa opção para pacientes com vasculite. Retinóides (isotretinoína 1mg/kg/dia e acitretin 50mg/dia) não têm demonstrado bons resultados. Podem ser usados imunossupressores como ciclofosfamida, metotrexato e azatioprina.

Danazol pode ser útil na exacerbação pré-menstrual do LECD. É importante ressaltar que talidomida, clofazimina e dapsona não interferem com a produção de imunocomplexos, apesar de promoverem melhora clínica das lesões.

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