Pênfigos

Pênfigos

Publicado em 7 de maio de 2015

Doenças auto-imunes raras, que envolvem pele e mucosas, caracterizadas por formação de bolha intraepidérmica resultante da acantólise dos queratinócitos. Acantólise significa perda da ligação das células epidérmicas entre si.
Lever os classificou em duas categorias: pênfigo vulgar, com sua variante o pênfigo vegetante, e pênfigo foliáceo com uma forma localizada chamada pênfigo eritematoso e uma forma endêmica denominada fogo selvagem. No pênfigo vulgar o nível de clivagem é logo acima da camada basal da epiderme (suprabasal), enquanto que no pênfigo foliáceo é na camada granulosa alta (subcórneo), sendo portanto a bolha deste último mais superficial levando à ocorrência de crostas mais pronunciadas. Temos ainda o pênfigo paraneoplásico, o pênfigo induzido por drogas e o pênfigo por IgA.

Epidemiologia: Pênfigo é uma doença rara (0,1 a 0,5 casos por 100.000 pessoas por ano). Cerca de 70% dos casos correspondem ao pênfigo vulgar e 10-20% ao pênfigo foliáceo. Não existe relação com sexo ou raça, mas há associação com HLA DR4 e DQw8 (freqüentes em judeus) e HLA DR6 e DQ5 (em não-judeus). O pênfigo vulgar usualmente afeta os indivíduos próximos à sexta década, o pênfigo foliáceo é mais visto entre os 30 e 60 anos, com o fogo selvagem atingindo preferencialmente crianças e adultos jovens.
O fogo selvagem é endêmico em áreas rurais da América do Sul, particularmente em certos estados do Sudeste e Centro-Oeste do Brasil e na Colômbia. Evidências epidemiológicas sugerem a presença de um fator ambiental, possivelmente um mosquito simulídeo (Simulium pruinosum). Exposição crônica a antígenos desse inseto, que se assemelham à desmogleína 1, poderia determinar a formação de anticorpos IgG4, subclasse predominante, desencadeando reação cruzada com antígenos epidérmicos, levando à acantólise. Um significante número de casos apresenta vários membros de uma mesma família afetados pela doença. Fatores genéticos podem determinar susceptibilidade ao fator ambiental. O gen HLA DR1 está ligado ao desenvolvimento do pênfigo foliáceo endêmico.

Etiopatogenia: É desconhecida. Sabe-se que é um processo auto-imune. Numerosos estudos confirmam a presença de auto-anticorpos IgG plasmáticos contra antígenos localizados na superfície dos queratinócitos, comprometendo a adesão entre as células epidérmicas e levando à produção da bolha. As caderinas epidérmicas desmogleína e desmocolina, que fazem parte dos desmossomos, representam uma família de moléculas de adesão celular cálcio-dependentes que são os alvos de atuação destes auto-anticorpos. No pênfigo vulgar o alvo antigênico é o componente desmossomal transmembrana desmogleína 3 (tipo predominante nas mucosas) e as desmogleínas 3 e 1 (tipo cutaneomucoso). No pênfigo foliáceo o alvo antigênico é a desmogleína 1. A desmogleína 1 está presente através de toda a epiderme, mais intensamente nas camadas superiores, entretanto se expressa fracamente nas mucosas. A ligação entre a célula basal e a membrana basal não é afetada. Estudos recentes sugerem que a produção de auto-anticorpos no pênfigo também é dependente das células T.
Pênfigo pode ocorrer associado à timoma, miastenia gravis, lúpus eritematoso, doenças linfoproliferativas, penfigóide bolhoso e uso de drogas (D-penicilamina, captopril, isoniazida, indometacina, fenilbutazona). Tem sido observado também após queimadura térmica, radiação ultravioleta e raio X.

Manifestações clínicas: No pênfigo vulgar observa-se erosões orais em 50-70% dos casos que, usualmente, precedem as bolhas cutâneas por semanas ou meses ou são as únicas manifestações da doença. O local de apresentação das lesões geralmente é o palato mole (80%). Outras mucosas podem estar envolvidas como: conjuntiva, faringe, laringe, esôfago, uretra, vulva e colo uterino. A pele apresenta muito mais erosões localizadas ou generalizadas do que bolhas. As bolhas são flácidas, não-pruriginosas e só eventualmente são vistas íntegras.
Situam-se preferencialmente em couro cabeludo, face, áreas intertriginosas e de pressão. Reparação ocorre sem deixar cicatriz, mas hiperpigmentação residual é comum. Distrofia ungueal, paroníquia aguda e hematoma subungueal podem acontecer. O sinal de Nikolsky é positivo, ou seja, uma firme pressão com o dedo deslizando sobre a pele perilesional, leva à separação da epiderme, evidenciando-se uma bolha ou erosão. Este sinal também é visto em outras buloses como o penfigóide bolhoso e o eritema multiforme. Neonatos filhos de mães com pênfigo vulgar podem desenvolver o pênfigo neonatal pela transferência passiva de IgG. O pênfigo foliáceo é muito raro nos neonatos.
O pênfigo vegetante apresenta placas verrucosas, confluentes, erosadas, predominando em áreas intertriginosas (comissura labial, sulco nasolabial, vulva, ânus, axilas e região inguinal), com tendência a desenvolver infecção bacteriana secundária, adquirindo odor característico. Suas bordas podem evidenciar pequenas pústulas. Existem dois subtipos: o tipo Neumann, com curso mais agressivo, e o tipo Hallopeau, que geralmente regride após o tratamento.

O pênfigo foliáceo tem início em áreas seborréicas como face, couro cabeludo e parte superior do tronco, apresentando eritema, descamação, crostas e ocasionalmente bolhas flácidas. Quando as escamas desprendem-se e as bolhas se rompem, deixam erosões dolorosas. Vesículas podem surgir ao longo das bordas das lesões. Eventualmente, pode haver progressão para uma eritrodermia esfoliativa. Pode ocorrer piora com exposição ao sol ou ao calor. Evidencia-se o sinal de Nikolsky. A mucosa não está comprometida. Sua variante clínica, o pênfigo eritematoso, é considerada uma forma localizada e inicial de pênfigo foliáceo, que apresenta lesões eritematodescamativas na face e em áreas seborréicas. Antigamente, esta variante era denominada de síndrome de Senear-Usher que correspondia à associação de pênfigo e lúpus eritematoso, sendo uma denominação inadequada, pois são doenças independentes.

Diagnóstico: Preparação de Tzanck. Em esfregaço da base da bolha ou de erosão oral evidenciam-se células acantolíticas.
Histopatológico. No pênfigo vulgar observa-se bolha suprabasal com células acantolíticas não-necróticas. A derme superior apresenta infiltrado inflamatório leve e misto, com alguns eosinófilos. No pênfigo vegetante, além desses achados, evidencia-se hiperceratose, papilomatose e acantose, podendo se observar microabscessos intraepidérmicos de eosinófilos. O pênfigo foliáceo apresenta acantólise nas porções superiores da epiderme, ao nível da camada granulosa ou subcórnea. As bolhas contêm fibrina, alguns neutrófilos e queratinócitos acantolíticos. Uma infiltração inflamatória de neutrófilos e eosinófilos ocupa a derme superior. Espongiose eosinofílica pode ser vista nas fases iniciais dos pênfigos vulgar e foliáceo.

Imunofluorescência direta: Recomenda-se duas biópsias, uma da borda de uma lesão recente e outra de pele sã adjacente à lesão. Detecta-se imunoglubulinas da classe IgG e C3 depositadas na superfície dos queratinócitos. Raramente a IgA é encontrada e a IgM não é vista. O depósito do C3 não é necessariamente observado porque a subclasse dominante de IgG é a IgG4 a qual não fixa complemento. É o método mais sensível para diagnosticar pênfigo oral.

Imunofluorescência indireta:Demonstra anticorpos IgG circulantes plasmáticos contra componentes intercelulares do epitélio em 75-90% dos pacientes com doença ativa. Estudos indicam que esses anticorpos do pênfigo foliáceo são diferentes dos anticorpos do pênfigo vulgar. O título da reação está correlacionado com a extensão e atividade da doença.

Tratamento: Tópico. Corticóides potentes tópicos podem reduzir a necessidade do esteróide sistêmico. Antissépticos como o permanganato de potássio 1:30.000 ou água boricada podem evitar as infecções secundárias. A nistatina ou imidazólicos reduzem o risco de candidíase oral. É fundamental uma boa higiene oral.
Sistêmico. Geralmente inicia-se com prednisona 1mg/Kg/dia (normalmente 60mg/dia). A resposta clínica da razão entre o surgimento e a cicatrização de novas bolhas é quem define a dose de prednisona. Para o pênfigo severo pulsoterapia com metilprednisolona (1g) ou dexametasona (100mg) intravenosa (por 2-3 horas, com monitoramento cardíaco contínuo) por 3-5 dias consecutivos. O uso prolongado de corticosteróides sistêmicos leva a efeitos colaterais como obesidade, diabetes, hipertensão, úlceras gastrointestinais, osteoporese, distúrbios psíquicos e possibilita a disseminação da estrongiloidíase. Imunossupressores não-hormonais são usados normalmente associados, como poupadores de corticóides. O início da ação ocorre com 3 a 6 semanas. Usa-se a azatioprina (2-4mg/Kg/dia), ciclofosfamida (1-3mg/Kg/dia) ou a ciclosporina 5mg/Kg/dia. As altas doses de metotrexate requeridas impedem a cicatrização e causam complicações severas, não sendo recomendado. A ciclofosfamida isolada não é efetiva no pênfigo.

Outras terapias: Dapsona 100-300mg/dia, micofenolato mofetil 2-3g/dia, plasmaferese, altas doses de imunoglobulina intravenosa, hidroxicloroquina 200mg duas vezes ao dia como adjuvante no pênfigo foliáceo se houver fotossensibilidade, nicotinamida 1,5 g/dia associada com tetraciclina 2g/dia ou minociclina 200mg/dia. Nas formas recalcitrantes, o rituximab, um anticorpo monoclonal anti-CD20 que induz depleção de células B, pode ser utilizado associado à pulsoterapia venosa de betametasona.

Prognóstico: O curso da doença é crônico. O pênfigo foliáceo responde melhor ao tratamento, podendo entrar em remissão, por isso é mais benigno que o pênfigo vulgar. Com a introdução da corticoterapia houve significativa redução da mortalidade para 5 a 15%, mas a morbidade permanece. O prognóstico é menos favorável em idosos. A terapia pode ser descontinuada em cerca de 75% dos pacientes depois de 10 anos, sendo o principal critério a negatividade na imunofluorescência direta.

PÊNFIGO INDUZIDO POR DROGA

O pênfigo induzido por drogas relaciona-se principalmente com a penicilamina e o captopril que contêm o grupo sulfidril, também ocorrente nas desmogleínas 1 e/ou 3. O padrão clínico mais encontrado é o pênfigo foliáceo ou eritematoso.

PÊNFIGO PARANEOPLÁSICO

É uma forma distinta de pênfigo, descrito em 1990, que está associada principalmente a doenças linfoproliferativas como linfoma não-Hodgkin (42%), leucemia linfocítica crônica (29%) e doença de Castleman (10%). A mais constante característica clínica é a presença de uma estomatite intratável com um quadro de líquen plano penfigóide se superpondo ao eritema polimorfo com bolhas cutâneas e lesões palmoplantares em alvo. O anticorpo predominante é a IgG1. Na imunoprecipitação ocorre reação a múltiplos antígenos de 250 kD (desmoplaquina 1), 210 kD (desmoplaquina 2), 230 kD (antígeno do penfigóide bolhoso), plectina (500 kD), envoplaquina (210 kD), periplaquina (190 kD) além das desmogleínas 1 (160 kD) e 3 (130 kD). É interessante lembrar que a IgG não penetra membranas celulares e que a maioria desses antígenos estão na superfície externa dos ceratinócitos. O prognóstico é grave.

PÊNFIGO POR IgA

É uma nova doença bolhosa intraepidérmica auto-imune caracterizada por uma erupção vesicopustular, infiltração de neutrófilos na pele e autoanticorpos do tipo IgA contra a superfície dos ceratinócitos. Não há autoanticorpos do tipo IgG. Ocorre em pessoas de meia-idade ou idosos atingindo mais axilas, virilhas, tronco e extremidades proximais. Dois tipos têm sido descritos: neutrofílico intraepidérmico e dermatose pustular subcorneana. O último tipo é clínica e histologicamente indistinguível da doença de Sneddon-Wilkinson, sendo necessária avaliação imunológica. A dapsona é a droga de escolha.

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